domingo, 24 de novembro de 2013

Fortaleza das coisas ruins

Fortaleza dos carros grandes, zuadentos. Dos prédios chiques, seguros, frios, grandes. Das pistas, do asfalto quente, fedorento. Dos viadutos, dos túneis e das calçadas tomadas.

Fortaleza das palavras podres, das sujeiras, do plástico, do papel no chão. Dos pobres e dos ricos, do dinheiro sujo, do dinheiro roubado e do dinheiro suado. Das pessoas 'de bem' e das pessoas 'de mal'.

Fortaleza da exclusão. Do descaso. Da injustiça social. Dos sons ambulantes dentro dos coletivos. Das palavras de grosseria do motorista e do passageiro aperriado. E do motorista de carro apressado, estressado.

Fortaleza do forte pichado e ignorado. Do parque agonizante. Das dunas alcançadas pelo concreto. E do vento que leva tudo de ruim.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Olhos de seca

Ainda hoje segura as lágrimas ao pensar naquele homem. Não se sabe ao certo os motivos que o fazem sentir esse vazio, essa angústia. As lágrimas são de tristeza. E as lembranças também. Não ouviu mais falar naquele homem.

Aquele homem aparentava seus 50 anos. Aquele homem tinha as mãos machucadas, não feridas, mas deprimidas com o tempo, mãos grosseiras, marcadas. O rosto, aparentemente, abatido, sem força, aflito. Os olhos, baixos, dolorosos, secos.

Olhos que se enchem de lágrimas ao pensar nos olhos secos do homem. Mas os olhos do homem também têm vida. Eles choram a alegria, a tristeza. Eles também sentem dor. Os mesmos olhos brotaram lágrimas. Os olhos secos se encheram de água, como a terra que recebe a chuva.

Aqueles olhos, cor de mel, encheram-se. Tornaram-se vivos. A seca da terra havia deixado os olhos do homem áridos. E eles viveram porque a lembrança da tristeza de outros tempos fez aqueles olhos chorarem. Chorarem de alegria.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

As carpideiras do céu nublado

Achei este texto que escrevi em junho de 2012. Sobre carpideiras do Gasômetro de Porto Alegre. Era fim de outono. 


Aquele dia nublado e frio de outono me fazia lembrar de meus amigos. Cada abraço, cada lembrança, estava tudo guardado e apertando meu peito. Aquele dia chuvoso e aquela sensação de perda. Era isso e algo mais. Aquela sensação de dever cumprido, de renovação de energias, apesar da confusão em minha cabeça. Aquele dia de domingo era especial. Encontrar pessoas queridas e sentir o vento no rosto eram necessários. Deparar-se com algo inexplicável também era urgente. E as coisas acontecem sem a gente se dar conta. Acontecem e são consumidas.

Naquele dia eu encontrei essas coisas que a gente não espera. Eu precisava me sentir em casa e me sentir acolhido. Ao lado de uma pessoa especial eu sentia isso. Sentia a energia. Era branca como as nuvens e azul como o céu. Era aquele o momento, o momento de ouvir aquela cantiga, aquelas vozes, aquelas cores e aquelas pessoas. Estar ali era um presente.

A música me remetia à infância no interior. Lembrava eu dos rios, das brincadeiras, da minha mãe, dos meus amigos de outrora. A música me fazia bem. Deixava-me em paz. Revigorava-me. Fazia-me chorar e sorrir. Não sei o motivo, mas me lembrava da minha terra, do meu nascimento. Era familiar. Era bela e suave. De tristeza à esperança.

Era uma das cantigas cantadas por carpideiras do interior do Ceará. A gente acertara ao sentir familiaridade com o Nordeste. Na forma de ser cantada, na sonoridade, na sensibilidade a gente apostara e acertara. Éramos ele e eu unidos mais uma vez, naquele lugar, naquela hora, para sempre, ao céu nublado das carpideiras.

Mamãe eu vou lá pro céu
Dois anjo vai me levando
Do mundo eu vou me esquecendo
Só de Deus vou me alembrando
Do mundo eu vou me esquecendo
Só de Deus vou me alembrando

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Um outro abraço de 'eu te amo'

Quando ela chegou, disse ao abraçar: eu te disse que vinha. Ao se despedir, falou com lágrimas no rosto: eu te amo. É assim, elas vêm e vão. Ficam um pedaço e fogem por mais um tempo. É a saudade que chega, fica, diminui, aumenta. É a inconstante da vida essa tal de saudade.

Ela declamava, a nós dois, o soneto da fidelidade. Entre lágrimas e rostos vermelhos de sol e de emoção. Não se sabe ao certo o que era aquele vermelho. Era uma cor de alegria e de tristeza, ao mesmo tempo. No tempo que falava. No tempo que sentia. Eram tempos e dias felizes.

Dos sorrisos e das cervejas, ele lembrava os passos cambaleantes. De bar em bar, a memória recorda os brindes à amizade. "Vamos entrar e tomar só uma". E dessa, umas e outras. E o tempo ia passando sem aqueles perceberem a hora. Sem tempo para esperar a felicidade.

Da chegada, a alegria. Da partida, sem palavras e todas as palavras. E as promessas de novas vindas e idas. De novos encontros e reencontros. O que restou foi saudade mesmo. Restou a amizade. Restou amor também. Restaram coisas boas. Das chegadas, o abraço apertado. E das partidas, um outro abraço apertado de 'eu te amo'.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Conhecer pessoas

Conhecer pessoas não é sinônimo de que você vai se dar bem com elas. Pelo contrário. Conhecer pessoas é conhecer a si. É estender a mão para ajudar e para levantar o copo e brindar naquela farra. Conhecer pessoas é saber lidar com as diferenças. É saber respeitar a preferência pelo time de futebol, pela religião e pela ideologia política.

Eu conheci pessoas e continuo conhecendo. O movimento não para. A cada dia conheço mais das que já me são conhecidas. E todo dia é dia de dar bom dia, um como vai, um dia de saudade e saber que a distância é um detalhe meramente geográfico.

Conhecer pessoas é também saber que será bem recebido quando não estiver na sua cidade natal. É conhecer o novo e não esperar muito para ser surpreendido. Sabendo disso, a gente vai contando os anos que conhece aquela pessoa, contando se é pouco ou muito, que a idade não importa, e sim a idade mental e as afinidades. E claro, um brinde àquelas pessoas conhecidas que viraram amigos. E que ainda hoje estão no bate papo quando você quer conversar amenidades ou simplesmente jogar um deboche.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Tempestades


Mesmo as tempestades, estas sim são lindas e feias, tormentas de corações esquecidos e lembranças perdidas no tempo.

Mesmo as tempestades que trazem a escuridão para uma hora poderem iluminar os caminhos.

Mesmo as tempestades, elas são necessárias quando a esperança se esvai. São, porque elas dão luz depois delas. As tempestades são o antes do amanhecer. Quem nunca ouviu que depois delas vem a bonança? É verdade.

As tempestades trazem chuvas, céu encoberto, e depois delas, o sol, a luz, a reconstrução, o recomeço. As tempestades dão a oportunidade de iniciar novamente aquilo que se achava havia perdido.

As tempestades são a tarde antes da noite. E antes de tudo o dia depois da noite.

sexta-feira, 22 de março de 2013

O que há entre eles


Aquele olhar dela ele nunca havia presenciado. Era uma despedida. Mas ela já dissera bem baixinho pra ele: "Ainda hoje eu volto pra gente se ver". E ela se foi. Não voltou. Por uma boa causa, revelaram-se depois os dois os motivos. Apesar do desencontro, ele foi embora naquela madrugada com as melhores e mais lindas lembranças dos dias que se viram e beberam juntos e conversaram desde política até amores.

Mas aquele dia quente de uma segunda-feira de dezembro ele nunca esqueceu. Lembrava do olhar da ariana, aquele olhar que diz tudo e se cala. Aquele olhar de despedida, de querer mais, pelo menos por uns minutos. Ele ainda sente falta de tudo, principalmente, do abraço apertado que ele encontra quando chega. Ah, mas o que dizer das risadas? Aquele sotaque ao enfatizar certas palavras, aquele tom de voz. O que dizer dos conselhos? "E tu só vem se for por ti". Ele ainda ouve as palavras do dia que estavam bêbados e chorosos.

Desde o dia que se encontraram, desde a primeira vez, os dois se dão bem. São amigos, compartilham e curtem, se combinam, e combinam de se encontrar. E trocam conversas, sentimentos. Até as saudades se tornam doces quando o gosto amargo da distância aperta. Trocam telefones e se telefonam. Uma surpresa. Uma ou duas horas no telefone. As horas se passam rapidamente.

Há tanto o que se conversar. Há tanto tempo. Haverão oportunidades. E no haver de ter e querer há tanto. Há mais. Há amor, amizade, alegria, abraços. É o que há e o que se deve contar. O que de melhor. O que há de mais doce. O que há de mais lindo. E há de haver mais porque estão vivos. E são amigos.