quinta-feira, 31 de julho de 2014

Sobre a cidade

Quando o sol bateu na janela, trazia consigo a brisa do mar. De frente a ela estavam aquelas pedras que mostravam a maré baixa e calma, porém fria. A chuva fraca da noite deixou os pingos na tal janela. E o vento soprava um ar matinal típico da praia. Começavam as férias. A cabeça cheia de expectativa, o coração aberto para novos lugares e novas pessoas. Conhecer a urbanidade, o sotaque, as comidas, o jeito da vida naquela cidade.

O cheiro do mangue revelava a vegetação engolida pelos altos prédios da zona nobre. As pontes, a história holandesa e portuguesa, com batalhas, tiros de ontem e de hoje. As igrejas pensavam fogueiras, inquisições, fé, festa, enterro, riqueza. As pedras do chão antigo gritavam aos pés dos transeuntes de séculos e de presente. As cores sorriam alegrias, as máscaras fantasiavam os carnavais.

As casas antigas se mesclavam aos prédios empresariais com ares de modernidade e desenvolvimento. A buzina, que quase inexistente exalava a pressa dos condutores, escondia por vezes as vozes das ruas. O movimento do centro sujava as ruas de passos e água dos condicionadores de ar pendurados nos edifícios. Eram muitas pessoas, carros, ônibus, em meio à história vista e contada nos livros. Marco zero cheirava frevo, carnaval de corpos dançantes, turistas extasiados, vendedores de garganta quente pelo sol e pelos gritos. Os rios que cortavam as terras, que formavam ilhas, que geraram humanidade. Eles eram a cidade.

E as ladeiras que só de pensar já deixavam o suor escorrer pela testa? Elas eram altas, estreitas, bonitas, fantasiadas de carnaval, de gente dançante, de beijos e sotaques. As igrejas antigas para tantos e poucos fiéis de época. Eram lindas elas. Escondiam mistério, revelavam o passado. As casas coloridas sem número, de moradores e comerciantes, traziam a familiaridade com a alegria, o sentimento de presença, de continuidade.

Sobre a cidade de duas pessoas se fala de amor, de sorrisos para as fotos, de abraços escondidos, de passeios sem hora, de compromissos descompromissados e de amizades construídas. Sobre a cidade, a receptividade, a beleza, o caos, a chuva da hora, a história dos livros.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Sentidos

"Que bom que te faço bem...
O bem que te faço, às vezes disfarço, desfaço como me convém.
Mas que bom que te faço bem...
Às vezes oblíquo, tangente, publico pra gente...mais ninguém.
É bom o bem que te faço?
É, eu sei meu bem..."

Este frio na barriga, o frio nas mãos, nos pés, nem pelo tempo, pelo frio. O quente das costas, dos braços, das pernas, nem pelo calor do dia. O quente e o frio ao mesmo tempo merecem uma xícara de amor e de beijos, duas de cada, mas no meu caso, podem ser até três ou quatro porque gosto de xícaras destas.

O sabor dos lábios. Deve ter um sabor específico ou um sabor de querer. Sabor de querer é aquele leve, marcante, úmido. Há beijos assim quando se deseja. Quando se tem lábios bons de beijos, bons de querer, de sentir. Há aqueles de brincadeira, quando só o toque faz a gente esperar mais e mais.

Os olhares. Estes são fortes. Às vezes caídos, muitos sorridentes, lindos. Olhares de bem. Olhares de pedir ou de aceitar. São os olhares que olho. Os perceptíveis, os sentidos, os tocados.

Pois os toques, sabores e olhares são sempre ao mesmo tempo, queridos, desejados. Fusão de sentimentos e de sentidos.

domingo, 24 de novembro de 2013

Fortaleza das coisas ruins

Fortaleza dos carros grandes, zuadentos. Dos prédios chiques, seguros, frios, grandes. Das pistas, do asfalto quente, fedorento. Dos viadutos, dos túneis e das calçadas tomadas.

Fortaleza das palavras podres, das sujeiras, do plástico, do papel no chão. Dos pobres e dos ricos, do dinheiro sujo, do dinheiro roubado e do dinheiro suado. Das pessoas 'de bem' e das pessoas 'de mal'.

Fortaleza da exclusão. Do descaso. Da injustiça social. Dos sons ambulantes dentro dos coletivos. Das palavras de grosseria do motorista e do passageiro aperriado. E do motorista de carro apressado, estressado.

Fortaleza do forte pichado e ignorado. Do parque agonizante. Das dunas alcançadas pelo concreto. E do vento que leva tudo de ruim.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Olhos de seca

Ainda hoje segura as lágrimas ao pensar naquele homem. Não se sabe ao certo os motivos que o fazem sentir esse vazio, essa angústia. As lágrimas são de tristeza. E as lembranças também. Não ouviu mais falar naquele homem.

Aquele homem aparentava seus 50 anos. Aquele homem tinha as mãos machucadas, não feridas, mas deprimidas com o tempo, mãos grosseiras, marcadas. O rosto, aparentemente, abatido, sem força, aflito. Os olhos, baixos, dolorosos, secos.

Olhos que se enchem de lágrimas ao pensar nos olhos secos do homem. Mas os olhos do homem também têm vida. Eles choram a alegria, a tristeza. Eles também sentem dor. Os mesmos olhos brotaram lágrimas. Os olhos secos se encheram de água, como a terra que recebe a chuva.

Aqueles olhos, cor de mel, encheram-se. Tornaram-se vivos. A seca da terra havia deixado os olhos do homem áridos. E eles viveram porque a lembrança da tristeza de outros tempos fez aqueles olhos chorarem. Chorarem de alegria.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

As carpideiras do céu nublado

Achei este texto que escrevi em junho de 2012. Sobre carpideiras do Gasômetro de Porto Alegre. Era fim de outono. 


Aquele dia nublado e frio de outono me fazia lembrar de meus amigos. Cada abraço, cada lembrança, estava tudo guardado e apertando meu peito. Aquele dia chuvoso e aquela sensação de perda. Era isso e algo mais. Aquela sensação de dever cumprido, de renovação de energias, apesar da confusão em minha cabeça. Aquele dia de domingo era especial. Encontrar pessoas queridas e sentir o vento no rosto eram necessários. Deparar-se com algo inexplicável também era urgente. E as coisas acontecem sem a gente se dar conta. Acontecem e são consumidas.

Naquele dia eu encontrei essas coisas que a gente não espera. Eu precisava me sentir em casa e me sentir acolhido. Ao lado de uma pessoa especial eu sentia isso. Sentia a energia. Era branca como as nuvens e azul como o céu. Era aquele o momento, o momento de ouvir aquela cantiga, aquelas vozes, aquelas cores e aquelas pessoas. Estar ali era um presente.

A música me remetia à infância no interior. Lembrava eu dos rios, das brincadeiras, da minha mãe, dos meus amigos de outrora. A música me fazia bem. Deixava-me em paz. Revigorava-me. Fazia-me chorar e sorrir. Não sei o motivo, mas me lembrava da minha terra, do meu nascimento. Era familiar. Era bela e suave. De tristeza à esperança.

Era uma das cantigas cantadas por carpideiras do interior do Ceará. A gente acertara ao sentir familiaridade com o Nordeste. Na forma de ser cantada, na sonoridade, na sensibilidade a gente apostara e acertara. Éramos ele e eu unidos mais uma vez, naquele lugar, naquela hora, para sempre, ao céu nublado das carpideiras.

Mamãe eu vou lá pro céu
Dois anjo vai me levando
Do mundo eu vou me esquecendo
Só de Deus vou me alembrando
Do mundo eu vou me esquecendo
Só de Deus vou me alembrando

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Um outro abraço de 'eu te amo'

Quando ela chegou, disse ao abraçar: eu te disse que vinha. Ao se despedir, falou com lágrimas no rosto: eu te amo. É assim, elas vêm e vão. Ficam um pedaço e fogem por mais um tempo. É a saudade que chega, fica, diminui, aumenta. É a inconstante da vida essa tal de saudade.

Ela declamava, a nós dois, o soneto da fidelidade. Entre lágrimas e rostos vermelhos de sol e de emoção. Não se sabe ao certo o que era aquele vermelho. Era uma cor de alegria e de tristeza, ao mesmo tempo. No tempo que falava. No tempo que sentia. Eram tempos e dias felizes.

Dos sorrisos e das cervejas, ele lembrava os passos cambaleantes. De bar em bar, a memória recorda os brindes à amizade. "Vamos entrar e tomar só uma". E dessa, umas e outras. E o tempo ia passando sem aqueles perceberem a hora. Sem tempo para esperar a felicidade.

Da chegada, a alegria. Da partida, sem palavras e todas as palavras. E as promessas de novas vindas e idas. De novos encontros e reencontros. O que restou foi saudade mesmo. Restou a amizade. Restou amor também. Restaram coisas boas. Das chegadas, o abraço apertado. E das partidas, um outro abraço apertado de 'eu te amo'.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Conhecer pessoas

Conhecer pessoas não é sinônimo de que você vai se dar bem com elas. Pelo contrário. Conhecer pessoas é conhecer a si. É estender a mão para ajudar e para levantar o copo e brindar naquela farra. Conhecer pessoas é saber lidar com as diferenças. É saber respeitar a preferência pelo time de futebol, pela religião e pela ideologia política.

Eu conheci pessoas e continuo conhecendo. O movimento não para. A cada dia conheço mais das que já me são conhecidas. E todo dia é dia de dar bom dia, um como vai, um dia de saudade e saber que a distância é um detalhe meramente geográfico.

Conhecer pessoas é também saber que será bem recebido quando não estiver na sua cidade natal. É conhecer o novo e não esperar muito para ser surpreendido. Sabendo disso, a gente vai contando os anos que conhece aquela pessoa, contando se é pouco ou muito, que a idade não importa, e sim a idade mental e as afinidades. E claro, um brinde àquelas pessoas conhecidas que viraram amigos. E que ainda hoje estão no bate papo quando você quer conversar amenidades ou simplesmente jogar um deboche.